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O Largo de São Sebastião. A esquerda o Ginásio João Castelo e a direita a capela de São Sebastião |
No momento em que parte da sociedade se propõe a debater a polêmica construção um Santuário a Nossa Senhora das Graças ao lado das ruínas do antigo Quartel, descaracterizando seu entorno de história e lutas, a quase cinquenta anos algo parecido aconteceu em Caxias em outro local importante onde se travou uma batalha na Balaiada: o largo de São Sebastião.
Em um artigo para o jornal Folha de Caxias em 1970, o cronista Hélio B. Nogueira denuncia o loteamento do largo, o que apagaria seu legado histórico.
Abaixo a integra do artigo se respeitando a grafia e pontuação da época:
“1839. Caxias sitiada pelos rebeldes Bentevis. Grupos heterogêneos de lavradores, professores, juízes, advogados, fazendeiros, poetas, religiosos, militares, comungados no propósito de afastar o português, que, apesar de proclamada a Independência, continuava dando as cartas na Província Resistência heroica dos sitiados. Um comício no largo da igreja dos Remédios, dispôs os homens nos corpos de infantaria, esta última constituída de dois velhos canhões instalados nos fundos da Igreja de São Benedito. As mulheres, formam o Corpo Auxiliar. Cria-se um hospital de sangue, no largo da Igreja do Rosário.
Afinal, onde, hoje, se estende o Largo de São Sebastião, a batalha maior, decisiva. Um dia inteiro de luta: A tiro, a faca, a pai, a soco. Ninguém ousa retirar os cadáveres acumulados. E, a noite, cede a resistência dos defensores. Emissários consultam os chefes rebeldes sobre as condições de rendição. Poucas – respeitarão a família, e a religião, querem processo e julgamento dos chefes da cidade e dinheiro para pagamento das tropas. Caxias, ao amanhece de 2 de junho, fora ocupada por 6.000 rebeldes.
Esse nosso Largo de São Sebastião prosaico, de barro batido, deveria assim, ter o carinho próprios aos locais sagrados da História de um povo. Que se montasse nele um monumento, uma pedra por exemplo, com a placa “Junho/1839. Guerra da Balaiada. Aqui se travou a batalha decisiva pela posse de Caxias”.
Todavia, para amargura de nós, caxienses, fala-se de um loteamento, já em curso, desse mesmo Largo de São Sebastião. Traduzindo – deixará de ser largo, de ser História, para ser ruas, conglomerados de casas um órgão a mais amputado dessa cidade tão histórica, tão merecedora de melhor tratamento. Por que esse loteamento? Estamos porventura, em situação de calamitosa para termos de vender nossas relíquias? Para que trocar nossa característica de cultura, de arte – manifesta em nossas igrejas seculares, em nossos casarões de pedra e cal, em tantos logradouros públicos – por construções de saber argentário, e sofisticado, que em vez de progresso, indica provincianismo enfatuado? Lotear o nosso Largo de São Sebastião é afogar ainda mais a cidade, já as voltas com a multiplicação demográfica. Por que não estende-la as áreas periféricas, como, inteligentemente, se vem fazendo em São Luís?
Sentimos, como bom caxiense, a aflitiva amargura da desfiguração de nossa bela Caxias. Aqueles bancos, amplos, de pura arte barroca, que caracterizam nossa Praça Gonçalves Dias, se foram em favor dos atuais sem nenhuma expressão especial. Suas palmeiras se findam e cachorros pelados lhe substituem os roseirais. O Morro do Alecrim, repositório de História está irreconhecível. O que cairá também, depois do Largo de São Sebastião?
Minas Gerais zela até as telhas das velhas casas de Ouro Preto. A Bahia tem ciúme de um pedaço de calçada do passado. Petrópolis gasta muito para salvar a presença das hortênsias nos jardins tradicionais. A Guanabara preferiu instalar um pisca pisca vermelho em uma velha arvore existente no centro da avenida do Exército, estreita e muitíssimo movimentada, para não sacrifica-la.
São exemplos. Que, nesta época de modificações inerentes ao desenvolvimento de Caxias, precisam ser lembrados. Progresso, sim, mas planejado, equilibrado, para não destruir o que se tem de bom”.
A falta de planejamento, ausência de tato com o bem patrimonial, ignorar o entorno monumental de rica história são costumes que ainda se mantém em Caxias. Em 1970 alguém já alertava esse tipo de intervenção em locais históricos, tirando sua história. Não o progresso, é a vaidade provinciana, como ele disse em seu artigo.
O texto de Hélio Nogueira deixa claro a sua preocupação com o recapeamento urbano de uma área histórica. A área do largo foi palco da maior batalha dentro de nossa cidade em que os caxienses tentaram de todas as formas, literalmente na mão, defende-la da invasão rebelde. A esse ato heroico, não existe o reconhecimento do poder público a seu povo, como um monumento.
Nesse artigo já se fala do Morro do Alecrim como ‘irreconhecível’. Ele se refere ao loteamento realizado na década de 1960 pelo prefeito Aluísio Lobo. O largo foi loteado, criado a avenida General Sampaio, e parte das ruínas destruídas para construção de uma quadra de esportes. O que diria ele se soubesse da construção de uma monumental estátua de santo católico no solo sagrado de Fidié e Duque de Caxias?
Outros pontos da cidade
O largo de São Sebastião não é a única praça que não faz referência a sua história. A praça Vespasiano Ramos, reformada completamente ano passo, não tem nada que lembre o seu patrono. A Cândido Mendes é outra que tomada pelo tom religioso do templo católico da Matriz. Nela criou-se o aglomerado urbano da cidade e foi lido o ato de independência do Brasil. A praça de Nazaré no bairro Trizidela, onde nasceu a cidade de Caxias na ocupação indígena e posteriormente ocupada pelos jesuítas europeus, é outra que não traz nenhuma referência a nossa história.
Em Caxias não existem referências a Balaiada e muito menos a Independência. A rua 1º de agosto foi renomeada. Monumentos aos dois conflitos nos locais que ocorreram batalhas ou pontos estratégicos? Também não. No máximo escolas ou campos de futebol com nome do vitorioso Duque de Caxias.
O monumento a luta pela nossa Independia e a Balaiada não é uma mera ode aos vitoriosos heróis militares ou a revolta das camadas mais baixas da época. É acima de tudo o simbolismo da luta do caxiense, da bravura de nosso povo. Do alfaiate ao professor, do empregado ao proprietário, do soldado ao seu capitão.
Agora é o Morro do Alecrim se encontra ameaçado. O pouco que resta do chamado “centro histórico” respira por aparelhos. Se o projeto for adiante será a pá de cal no que sobrou da nossa história.
“Nossa Caxias é rica em história e pobre, paupérrima mesmo, em memória”
Libânio da Costa Lobo
Texto e imagem: Eziquio Barros Neto
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